Páginas

domingo, 22 de maio de 2011

Um dia escreverei uma história de amor...

Tu e o J. (ficção)

"Vinhas tu da beira do rio, com o sol de fim de tarde pelas costas. Esse brilho que te tocava à medida que te aproximavas, deixava a nu os contornos do teu corpo, por dentro da tua roupa clara, larga que tanto gostas de vestir quando o tempo permite. Olhas para a esquerda como que procurando por alguém... Mais uma vez, a negro, fica claro o desenho da tua face, os contornos dos teus lábios, o teu queixo e o teu pescoço, e o teu narizinho batatinha que sempre detestaste em ti, e eu pelo contrário, sempre achei que era perfeito.
O teu andar seguro era interrompido de quando em vez pelo desvio que precisavas fazer das pedras maiores ao longo da margem.
Percebo o teu olhar para a esquerda. Ao teu encontro vem o J., deu-te a mão e continuou ao teu lado o caminho que te aproximava de mim.
O J. já não era o adolescente que eu conhecia, mas continuava com o mesmo ar tranquilo, meigo e bondoso de sempre. Aquela forma de ser que anos antes, numa daquelas caminhadas à noite, me fez garantir-te que era o teu tipo de rapaz, ao que tu respondeste que era demasiado certinho para fazer o teu género. Como tinha eu na altura razão e tu não.
Fiquei feliz pela tua escolha. Sempre tive receio que anos depois te visse com alguém que reflectisse um "eu", que já na altura, eu não gostava.
Esperei que chegasses até mim. Senti-me nervoso porque não sabia se olharias sequer.
Olhei-te descaradamente como que gravando um episódio da tua vida na minha memória, para relembrar mais tarde. Nisto o teu olhar, não mais distante que vinte metros, cruzou o meu. Foram apenas alguns segundos, longos e tão curtos segundos. A tua expressão mudou. Apontando umas escadas ali perto sugeriste ao J. que subisse na escada próxima, ao que ele acedeu prontamente. Todo eu estremeci com este golpe do destino, que minutos antes me tinha surpreendido e logo depois me retirava a possibilidade de te olhar de perto, de te notar as diferenças .
O J. não se apercebeu, ajudou-te a subir, e tu afastaste-te lentamente, sem nunca olhar para trás, sem nunca sequer insinuar que pensasses em olhar para trás.
Entrei no carro, coloquei o Cd que ouço sempre que preciso de pensar sobre os meus sentimentos, voltei para casa lentamente como que tentando contrariar o tempo que passava.
Uma pergunta não tinha resposta ao longo do trinta quilómetros que fiz em quarenta minutos naquele fim de tarde: que vida esta a minha, que não está resolvida enquanto olhar para o meu passado e não o aceitar como já é, há tanto tempo, apenas passado? Os meus erros já foram. Não dá para corrigir nada...

Mas a resposta é simples. Ao contrário do que parece, a minha vida está resolvida. Estou preparado para lidar com as fraquezas do nosso passado, com os erros que cometi e estou preparado para pedir desculpa, e deixar de lado a culpa. Preciso disso para continuar a contruir a minha pequena casa, a minha pequena família, a minha pequena empresa, a minha pequena história.
Tu pelos vistos é que não, não queres aceitar o meu arrependimento, não queres que eu largue esta tortura, não queres que esta marca desapareça de mim, como não desaparece de ti. 
Só isso explica por que tens medo de me encontrar, por que tens medo me olhar...
Tens medo que o teu enorme castelo, que é feito de cartas, desabe em cima de ti, em cima dos teus grandes proveitos, em cima dos teus caros enfeites, dos teus enormes sonhos, cheios de defeitos..."

18 de Outubro de 2009

Sem comentários: