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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Escrevo aqui o que não digo, quem diria?


Se eu tivesse amigos... daqueles amigos com que as minhas manhãs ficaram, não saberia em rigor o que lhes dizer de mim...
Talvez eles não tenham ficado exactamente por isso... talvez eu tenha fugido deles, por não saber, ou quem sabe, por saber sempre, o que lhes dizer...

Os meus dias sempre foram pautados por duas partes de mim muito distintas... não sei se isso me fez crescer mais depressa, ou se pelo contrário, se me fez crescer devagar.
Quanto crescemos nós, com metade do tempo?

A alegria contagiante com que vivia a luz dos dias, contrastava com a tristeza grande que eram as noites e o regresso ao leito das memórias, que de bom têm apenas isso, as memórias das memórias. Tudo o resto é um misto de saudade quando se aperta a almofada do sonho, e se tinge os lençóis com a tinta incolor de uns olhos fechados à força, pois a luz já não vêem faz tempo... pouco ou muito tempo, não interessa... e depois aquela impotência de nada poder fazer para que o dia nasça de novo... morder os lábios ao saber, que aquele dia não mais volta, e que o próximo, dali a horas, será uma cópia rasca desenhada por uma caneta gasta, que numa mão mecânica balouça...

Inegavelmente, tudo isto fez de mim uma pessoa para a antecipação! Recordo-me dos meus amigos, e daquela alegria expontânea que os fazia acreditar num mundo livre da tristeza... eles agiam exactamente dessa forma. Como podemos respeitar a tristeza, se verdadeiramente, apenas lhe conhecemos a história, nas histórias dos outros?

Fui capaz de ajudar a minorar as perdas que a todos matam um pouco. Fui capaz de influenciar as vidas para que a tristeza fosse minorada, porque era por mim prevista, avisada... assim achava!

Hoje sei que não o fazia por eles, não o fazia pelos pais deles, não o fazia pelo futuro deles... hoje sei que o que fazia, fazia apenas por mim! Que mau que seria o meu reflexo, ao ver o deles, se além de desconhecer a tristeza, ignorasse que a tristeza existe... 

Dei muitas vezes comigo a agradecer, não sei bem a quem, ter-me sido retirada logo quase à nascença, a possibilidade de, sem sequer saber, ser assim triste, mas de dedo em riste... 

A cada despontar da vida tudo passava! Sabia que nada mudara, mas só o reencontro com a inocência deles à luz do dia, levava-me de novo para a partida, sem nunca ter perdido a corrida... assim pensava!

Nas noites de verão em que sozinho estava, e os amores idos chorava, às vezes, pegava na minha viola e junto à estrada ficava... pequenos acordes expandidos pela grandeza do espaço aberto e silencioso da noite... nem sei bem por que o fazia... afinal de contas, o que é que eu queria?
Alguém um dia me perguntou... que fazes aqui? Não sabes tocar de dia?
Não percebia...

Existem coisas que fazemos, que só perceberemos um dia...

Hoje, que olho de longe, eu sei o que fazia... sei o queria, sei o que dizia... mas ela não me respondia, e a minha tentativa ficava assim perdida... dispersa no arrastar de uma noite, de outra noite, e outra noite, comprida e cumprida!

Hoje não saberia o que dizer aos meus amigos. Talvez que vivam a vida, sempre com alegria... pois a tristeza não vivida, se não for pressentida, apenas acrescenta à vida, tempo de vida!

Será isto crescer?

O discurso que aqui trago não existe em lado nenhum de mim, para a maioria...

Escrevo aqui o que não digo, quem diria?

Mas não me esqueço... os candeeiros, esses, também existem durante o dia!

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Dique




E quando a poente, 
sentindo que as águas são cada vez menos, 
uma qualquer criatura entende que está perto o fim da frescura, 
talvez a nascente, 
afinal não tenha secado a fonte... 
talvez exista apenas algures um dique,
 que privando um dos lados,
 de alguma da vida, 
garanta desta forma, 
a vida de toda a gente.

(24 setembro 2010)

Pois se a tristeza para mim é o combustivel da escrita... forte, lenta, daquela que vem lá do fundo... daquele fundo que parece que, ao chegar ao fundo, mais fundo se inventa, então hoje sou um poço... um poço fundo, seco, ardido... que de tanto que tem para dizer, apenas consegue sussurar continuamente ...que lamenta... que profundamente lamenta!

terça-feira, 26 de abril de 2011

Despedidas... quem as tem?

 
Não as compreendo, não as aceito… sinceramente, não as suporto!

Na minha vida muitas despedidas ficaram por fazer… não tive oportunidade para as fazer, para que as pessoas as fizessem… A morte da minha mãe foi a despedida não feita que nunca ultrapassei… nunca me despedi dela, mesmo depois de crescer tanto como cresci, mesmo depois de perceber já em adulto, que tinha que lhe dizer adeus. A morte do meu pai que, cheguei na minha adolescência revoltada e pautada pela raiva mal direccionada a desejar, foi outra que ainda hoje não aceito fazer… para mim não morreram… eu é que morri por dentro naqueles dias, embora na altura não tivesse percebido.

Muitas vezes aconselho que se devem despedir muitas vezes, mesmo que para dentro, que devem sentir os segundos dos mais amados como se fossem os últimos, porque um dia não existirá mais hipótese de ter saudade, na presença deles.

Muitas vezes usei a minha história para, parecendo crescido, ajudar as pessoas a valorizar o que têm. 

Mas a verdade, é que não deixei de ser criança. Parei naquele tempo em que a minha vida era comandada por eles. Parei de crescer naqueles dias em que, mal ou bem, de boa vontade ou contrariado, seguia o caminho que eles me indicavam. Ninguém consegue crescer sozinho… e eu não cresci, fiquei eternamente aprisionado num labirinto que é a minha vida, do qual não tenho qualquer referência, qualquer ponto de encontro.

Muitas vezes penso que Deus podia ter-me avisado do fim do meu crescimento… Se Deus o tivesse feito, eu teria sorrido para eles no dia anterior, teria suportado as suas imposições, que hoje sei, eram apenas trilhos, caminhos, indicações…

Se Deus me tivesse avisado, podia ter decidido ir com eles, podia ter escrito uma carta, podia ter copiado frases de um livro, e poderia ter-lhes dito o quanto gostava deles, o quanto precisava deles… se Deus me tivesse avisado, talvez não me sentisse já tão cansado, tão ultrapassado pelo tempo, pelo sentimento de, não uma, mas duas despedidas adiadas, eternamente...

Mas a vida é mesmo um labirinto… hoje tenho a oportunidade de fazer despedidas. Mas continuo a não saber, a não gostar, a não aceitar fazê-las.

Como nos despedimos dos nossos pais? Ainda em vida? Como somos capazes de o fazer?

Há muitas anos atrás, conheci novos pais. Não ficaram imediatamente meus pais… foram ficando com o tempo. Hoje são de facto também meus pais. E a vida trouxe-me até um ponto em que, por ironia, tenho que me despedir deles, em vida, como sempre desejei ter tido oportunidade de fazer com os meus falecidos.
Os meus irmãos... tenho sido negligente com os meus irmãos. Não sei como nem porquê, ficamos afastados... não muito afastados... mas afastados o suficiente para tornar um abraço constrangedor... e é terrivel que tenham passados tantos anos, e eu não tenha percebido isso... como hoje. São meus irmãos... Como posso eu ter vivido assim...
Há muitos anos atrás, conheci novos irmãos além dos meus. Ficaram logo meus irmãos. Especialmente o Luis... era tão novo o Luis quando o conheci. O Francisco ja tinha quinze anos, e aquele ar sorridente que poucas vezes lhe vi sair da cara, já na altura, era um espanto... tão inteligente!
Eles foram os meus irmãos durante muitos anos... talvez por isso, tenha sido negligente com os meus outros irmãos. Mas foram tão bons irmãos... lembro-me da alegria quando me viam chegar... lembro-me dos dedos deles na minha viola, que se depressa se transformaram em notas e músicas... em gostos próprios! Foi tão bom ver-vos crescer...
Lembro-me de tardes inteiras a jogar bilhar, lembro-me de tantas coisas... não me esqueci de nada...

Como me despeço dos meus irmãos?

Penso que nada termina aqui... que nada impede que as relações se prolonguem no tempo... que nada mudará com isto... e a verdade é que o passado não mudará nunca...

Nem sempre estive à altura... nem sempre fui o que esperavam de mim... nem sempre vos tratei da forma que queria, da forma que eu sentia, da forma que cada um de vós merecia...

Existe um primo. O Nuno... é mais que primo. Ao Nuno um dia escrevi-lhe um texto... em folha azul. Foi num dia que senti tanto orgulho, mas tanto orgulho...

Faltas tu... minha Linda! Mas no fundo não me faltas... nunca me faltaste! Fui eu que te faltei... e se palavras tenho para ti... demorarei anos a chorá-las.

Na angústia dos dias em que não estive à tua altura, e foram tantos, tentei arranjar forma de te compensar pelo martírio a que te entregaste... dia a após dia... sabia qual o destino... quis ficar até ouvir-te dizer, o castigo que me deste!

Mãe, Pai, perdoem-me por não estar, perdoem-me por não fazer, perdoem por não conseguir dizer-vos Adeus.

Luis e Francisco, por favor não pensem mal de mim.

Ninguém imagina o que significam estas palavras… ninguém imagina o que é ter que fazer isto. 
Ter que dizer que são meus para sempre, mas que deixarei de os ver, de os abraçar, de os acompanhar… Sinto que sou eu que os mato… que sou eu que os vergo perante uma dor que grande como a minha, cai em cima de mim, e me faz gritar que preferia morrer eu de repente, a ter que fazer isto… que é despedir-me não apenas da minha vida, mas da vida de toda a gente…
 
Por isso, não será feita nunca esta despedida... porque não a compreendo, não a aceito… e sinceramente, não a suporto!

Destino...

Parecerá fácil a consciência, o levar com a vida para qualquer lado fingindo indiferença, o desbotar da ausência, o afastar tão rápido que desafia a inteligência...
Parecerá fácil mas não é, não é suposto ser, mas não devia ser suposto parecer... E parece! 
Parecerá absurdo... Nenhum afastamento faz com que uma porta se abra ou se feche... Ela ficará no mesmo lugar, à espera da próxima saída ou da próxima entrada. Nada fará desaparecer o que sempre existiu... Nada poderá desligar o que não precisa de energia... Nada matará o que não nasceu, porque não nasceu... Sempre existiu! E o que sempre existiu não nasce nem morre...
Sim! Brinca comigo Destino que eu gosto, mas não faças chorar quem me ama... Sim! Brinca comigo Destino porque eu aposto que te provoco, e que um dia as voltas te troco, e então choras tu, os espinhos e as rosas e eu nem te ouço, ao mostrar-te a falta de respeito que sinto, por quem acha que me pode controlar, mesmo que pouco... 
Sim! Brinca comigo, mas não me faças chorar, não me faças zangar... 
Sim!!! Zangar contigo, porque no meio de todo o desalento, eu não mereço, o teu castigo!
Não mereço o teu castigo, não mereço o adjectivo, não mereço a tua raiva, porque ao suspender-me num presente, ao fechar-me em pesadelos que os sonhos parte, quem falhou não fui eu, foste tu Destino que falhaste. Tu Destino, com tanto tempo não fizeste a tempo, a tua pequena parte!
(11 de Novembro de 2010)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sem palavras é...


"Ficar sem palavras é por vezes:
- uma forma de comunicar o incomunicável
- um estado de espanto
- um não querer acreditar
- um direito de sorver o prazer do momento
- não deixar que nada interrompa
- partilhar a riqueza do silêncio
- querer sentir de todas as formas
- uma entrega ao instante
- um tomar posse
- um deixar ir
- uma busca de sentido
- um prazer total
- uma dor fatal
- um querer comunicar e nada conseguir dizer
- um não querer limitar nada
Ficar sem palavras é sempre um momento total."

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Um conversa telefónica, não acaba nunca quando se pousa o telefone... até porque o que fazemos é apenas isso: pousar o telefone! Não mudamos de número, não mudamos de nome, não mudamos nada de nada... "pousar" uma conversa é uma decisão! Terminá-la definitivamente, não é uma opção... acontece ou não! Tudo isso depende do futuro, depende do mundo, depende do destino, depende do coração!"

quarta-feira, 20 de abril de 2011


Enquanto os meus olhos virem luz...
uma pequena luz...
uma cansada luz...
enquanto os meus olhos virem...
eu tenho esperança!

sexta-feira, 15 de abril de 2011



Peço desculpa a todos aqueles a quem não consigo agradar nas minhas escolhas...
Peço desculpa a todos os que magoo com as minhas escolhas...
Peço desculpa a todos a quem não dei qualquer escolha...
Peço desculpa, por eu próprio, não ter feito qualquer escolha...
Peço desculpa a todos, por não saber o que escolher, pela razões que me levam a escolher, pelo perdão que gostava de obter... pelas coisas que não fiz e que gostava de fazer... pelas merdas que me desejam e que talvez sem querer, me façam cada vez mais, pensar que tenho que fazer, o que tenho que fazer!

terça-feira, 12 de abril de 2011

Até breve...


"Meu caro, fui informado, pela imprensa, da minha nomeação para administração desta nau. Estará lembrado que outros invocaram, sem razão, este argumento para abrir uma crise politica. Mas eu não sou desses e procurarei dar conta do recado. Para além das mordomias, que certamente me caberão por tamanha honra, que outras acções me aconselha nesta sua, espero, pequena ausência?"

"Caro Jorge, não espero mais de si que dos outros: honestidade, bravura, força, amizade e memória destes tempos. M."

Como foi possível?


Como?
Está escrito em todo o lado... 
sempre a mesma denúncia, a mesma tendência, a mesma procura...
Como foi possível isto?

Cão que ladra não morde? 

Pergunta a quem foge...

Fingir que se é capaz de morder não tem mal nenhum... 

afinal de contas, não é a vida isso: ladrar sem morder?

Pois... a vida é mesmo isso... 

Mas cozinhar não é para comer?
Não! Dirão!
Há quem cozinhe apenas por prazer...

Deve ser isso deve...

Como foi possível ter caído nisto?
Como foi possível... 

segunda-feira, 11 de abril de 2011

não é hábito...nem é propositado...


Já não os via há pelo dois anos. O João e a Alice. Com eles chegaram também as duas filhas. A mais velha de 15 anos, ainda mais distante e vaidosa, e a mais pequenina que entretanto cresceu e imagine-se, já ganha medalhas em campeonatos de atletismo.

Rapidamente percebi que as noticias que chegavam entre conversas não eram mentira. A Alice está mesmo doente. Está diferente. No entanto, chegou na mesma sorridente.

Uma das coisas que sempre me chamou à atenção neste casal era o sorriso fácil. Como se o mundo fosse uma alegria constante, independentemente dos assuntos falados serem mais ou menos vulgares, mundanos, despropositados até.

Observei-os muito bem. Ela, que sempre teve uma aparência e atitude juvenil, de riso fácil, acriançado até, tem agora uma expressão mais crescida. Não digo mais velha, apenas mais forte, mais crescida, mais séria. O João, que não deixa que um minuto disponível seja desperdiçado para mostrar a tecnologia, desta vez também me pareceu diferente. As conversas vagas, de exibicionismo do consumismo em nada moderado, foram substituídas por um orgulho contagiante, da mostra no aparelho, agora já não último grito, das fotografias dos pódios, que a mesma pequena tem conquistado nestes anos.

Pensei cá para para mim como podem sorrir assim...

Comentei que a força existe nela, existe nele... talvez nas meninas ela não exista, porque talvez ainda não seja precisa!

Longe vão os tempos em que os dias iam de vento em pompa... lembro-me de ter pensado tantas vezes que a vida não era assim... porque nunca é assim como eles diziam... e que o futuro prega-nos rasteiras tão grandes, que nem tempo temos de sentir o trambolhão, apenas as dores depois... maldita esta minha cabeça que pensa estas coisas, e que depois mais tarde, me lembra do pensado, e me tortura por isso...

A Alice parece-me bem, parece-me forte... pensei! 
Pensamento logo desmentido pelos pormenores... afinal, aquilo está em todo o lado, por todo o corpo... apesar de aparentemente bem, as probabilidades à partida, são pequenas... pequenas demais para aquelas pequenas... que ainda não perceberam o quanto perto podem estar, de uma marca negra, de uma marca a fogo na alma...

Na despedida não resisti a um abraço... não era hábito, nem era propositado... foi um abraço! De força, de esperança, de despedida?

Foi um abraço! Improvável... Notado talvez... nem sei! Acariciei-lhe a careca... e ela fica bonita careca...

Olho para elas. Lembram-me eu mesmo... algures num momento em que tudo nos parece normal, pouco perigoso, pouco definitivo...

Pergunto-me se sei o que podem sentir... se farão ideia do que vão sentir, se estarão preparadas para sentir...

No meu sozinho chorar, lamento! Ninguém merece isto, ninguém está preparado para isto, ninguém devia nascer para isto!

No meu abraço ficou um desejo: a vontade imensa de não existir nunca mais razão para lhe dar um abraço, pois não é hábito, nem é propositado...

Força Alice!

sexta-feira, 8 de abril de 2011


Nenhuma tristeza apagará os dias, em que a comunicação era doce, meiga e rendida.
Nenhum corte fará nunca desaparecer, as conversas tidas ao nascer do dia, o completar das frases, que eu diria...
Nenhuma evolução do homem apagará da vida, aquilo que eu dizia que sabia, mas que no fundo, no fundo, sabia que pouco tempo teria, para mudar, crescer, libertar, curar... esta ferida!

Nenhum corte eu faria, se nunca estivesse estado ligado, se nunca tivesse usado, o tempo que tinha...

Voltarei mais tarde, estou certo! Com nova forma, com nova alma, com nova capa, um dia!

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Serão ainda mais duros os dias...




Os ecos dos latidos, 
uivos destemidos que agora tarde, 
são choros envelhecidos, 
pelo tempo da saudade...

"Não tenhas receio!" - diz a lua. 
"Pois também eu vivo assim, 
entre o brilho vivo que da noite faz dia, 
e o fosco desgostoso, ansioso, 
numa vida mal dormida."

Olhei em volta... e nada vi.  
Para além dos dias sem lua, 
que eu não senti...
mas cuja bravura, apenas sua,
eu nunca mereci!

Fechei os olhos, mas não senti...
Tentei sonhar, viver, voar...
Mas fiquei aqui.
Já não sou eu quem aqui escreve,
Já não sou eu quem aqui manda...
Já não sou eu quem chora...
Porque cansado de lutar,
cedi ao cansaço...e desisti!

Serão ainda mais duros os dias...

off

terça-feira, 5 de abril de 2011

O meu leito!




"...Cravam-me sem piedade a alma 
e levam de mim todo o brilho que na pele mora... 
os riscos de sangue pintados, 
nos meus braços que envolvem, 
ardem como as chamas do inferno e queimam, 
as setas doces e frescas do cupido...

No topo da montanha mora, 
para além dos pontiagudos rochedos, 
as pétalas protegidas pelos monstros, 
que perpetuam os encontros,  
no baú dos meus tesouros, 
aos meus adormecidos sonhos...

E quando grito de dor a pele rasga, 
e mais a carne do peito paga, 
a escolha de um caminho incerto...

Mas a minha glória,
que o caminho não irá vencer,
me levará ao fim da história, 
esventrado pelos desafios do agora...

O tempo que meu corpo padecer, 
na busca de um eterno olhar no teu dorso, 
no momento em que eu nascer,
como sol no teu rosto, 
dar-me-á o direito 
de nada mais ter que viver...

Apenas adormecer no teu leito,
vestido a preceito,
morrer no teu abraço,
olhar no meu corpo cada traço,
mostrar-te o que fiz em cada dia,
e o que em cada dia poderia ter feito!"

Voar num tão desfocado e curto instante...



segunda-feira, 4 de abril de 2011

Geraçao à Rasca (Por Mia Couto)

"Um dia, isto tinha de acontecer. Existe uma geração à rasca? Existe mais do que uma! Certamente! Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.

Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações. A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.

Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos. Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós
1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor. 

Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.

Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.

Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.

Foi então que os pais ficaram à rasca. Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado. Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a
pais. São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e 
da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.

São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!

A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas. 

Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados. Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade
operacional.

Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.

Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.

Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras. Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.

Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada. Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio. 

Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração? Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!

Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).

Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.

E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!

Novos e velhos, todos estamos à rasca. Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens. Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles. A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.

Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.

Haverá mais triste prova do nosso falhanço?"