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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Aqui aprendi a ser!


"Não deixa de ser para mim bastante gratificante ver tão agradável partilha, de conversas, de memórias e de vidas, numa foto tirada num dia cinzento, chuvoso, melancólico...

Também não deixa de ser surpreendente, que neste mesmo espaço se juntem, sem que nada fizesse esperar, alunos de várias gerações, muitos que eu nem conheço, os meus queridos professores e outros amigos chegados mais tarde, mas que assim, sem quererem, ficam com detalhes da nossa vida em conjunto, no tempo em que o futuro, era lá longe, tão longe, para lá do horizonte.

Não será surpreendente que vos diga, que andei largos minutos em volta daquela escola, deixando que "flashes" de memória me invadissem a expressão, ora de sorrisos, ora de sustos, de memórias boas e algumas menos boas, pequenas histórias que ficam em cada um de nós. Um embaraço, um vidro partido... bom! Adiante.

Nota-se que está fechada e que começa a ter alguns pormenores de abandono. As paredes, os vidros... é claro que pensei que é por estar fechada que isso acontece. É o pensamento natural. Mas rapidamente o meu pensamento foi além desse pensamento natural. Os traços de abandono que apresenta, não são por não ter alunos diariamente a frequentar aquela escola. Afinal de contas, o uso também estraga as coisas. Esses traços são por falta de cuidado. São por falta de ideias para o seu aproveitamento. São por falta, na impossibilidade de mais, de brio nas nossas coisas, nas nossas memórias, na nossa exigência pelo que é de todos.

É claro que não pretendo culpar ninguém por isso. Mas acho que era possivel fazer algo daquele edifício. Haja vontade e imaginação. Haja coragem para fazer sugestões na junta de freguesia. Certamente as ideias serão bem recebidas e serão levadas em frente.

Apesar do texto já ir longo, eu não posso deixar de dizer que as sociedades, dinâmicas que são, misturam um sem numero de características e valores, que com paciência, orientação e boa vontade, resultam em evolução, em construção quer individual quer colectiva. Por isso, naquela escola ou outra, o professor A. e a professora T., teriam tido o mesmo empenho, e nós, com a nossa simplicidade e humildade, teríamos feito o nosso percurso como boas pessoas. Eu acredito nisso.

A nossa escola, agora fechada, terá um destino. E pode ainda ser bom. O seu encerramento também foi por motivos economicistas. Não exactamente para poupar dinheiro, mas para aplicar de melhor forma o dinheiro, para que todos os miúdos (que são muito poucos hoje em dia) possam ter igualdade de oportunidades. Possam ter o que outros têm. Para que não fiquem para trás, não por falta de empenho e de amor por parte dos seus pais e professores, mas por falta de condições. Por falta uns dos outros. Viver hoje é cada vez mais rápido, mais preenchido. O isolamento atrasa.

A escola encerrou essencialmente porque tinha poucos alunos. E poucos alunos significa um custo elevado. Mas acima de tudo, significa que esses miúdos viveriam a parte mais importante da sua vida escolar, isolados uns nos outros, mesmo que o dinheiro não tivesse preço e a nossa escola tivesse todas as condições e toda a tecnologia das escolas maiores e mais evoluídas.

É claro que nos grandes centros escolares é mais difícil de acontecer a partilha, a entre ajuda, o carinho que existiu na nossa, orientada pelos nossos professores. Mas mesmo aí eu acho que não é um problema da escola, é um problema da sociedade. Mais alunos significam mais professores, mais amigos, mais partilha e mais dinâmica no crescimento colectivo.

Tenho a certeza que os nossos professores dariam tudo da mesma forma, se em vez de na nossa terra, tivessem enterrado muitas das raízes da sua vida, num centro escolar de grandes dimensões, na cidade.

A verdade, é que nos podemos orgulhar do nosso passado. A verdade é que nos doí na alma ver aquele espaço vazio de nós, mas acima de tudo, vazio de vida. De vida de outros no nosso lugar. Mas seria para mim desolador saber, que naquela escola, hoje, aprenderiam a ler todos os dias, 3 ou 4 ou 5 alunos. Seria desolador por eles. Já nos basta o isolamento do nosso tempo, que combatíamos juntos, uns com os outros. Era difícil e éramos muitos. 5 ou 6 não seriam felizes como nós fomos. Seriam menos do que nós fomos. Mesmo com o mesmo empenho, mesmo com o mesmo amor e dedicação, dos professores que tivemos.

Temos saudade. Claro que temos. Mas não temos vergonha do que fizemos. Cabemo-nos honrar as memórias sem nunca perder de vista (até porque hoje muitos de nós são pais e mães e também cidadãos com visão de futuro além do nosso pequeno e querido quintal) a razão principal do nosso sucesso futuro na grande sociedade que o mundo é: igualdade de oportunidades!

Um dos amigos que aqui esteve, tem responsabilidades directas na decisão difícil de pensar no futuro dos nossos filhos. E responsabilidade acrescida, muito maior que a de todos os outros. Mesmo com as desvantagens, que existem sempre, mesmo com as contrariedades, que se inventam muitas vezes, mesmo até com a incompreensão, mesmo até com alguma falta de visão, falta de atenção às mudanças no mundo...

Essa pessoa sabe o que eu penso da sua decisão.
Eu não gosto de ver a escola onde aprendi a ler, fechada e abandonada, sem representantes de mim. Mas acredito que seria mais grave que estivesse aberta, à custa do isolamento, criando um retardar de vivências, de condições de aprendizagem, adiando a evolução dos nossos, simplesmente porque são poucos, e tal como nós, nasceram numa pequena aldeia, onde não se fabrica nenhuma poção mágica contra a exclusão.

Abençoadas as memórias. São elas que nos mostram o que somos e o que não queremos para o futuro. O que somos, seremos em qualquer lugar.

Obrigado a todos."

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