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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Laços de Sangue


Decorria o solarengo mês de Setembro. O Tótó e o Pêpê andavam juntos pelas praias em conversas mais amenas que o tempo, mas ainda assim, frutuosas e divertidas. Como nos tempos da juventude, delineavam planos para vingar na vida. A dado momento, Pêpê terá confidenciado que para dar certo e mais uma vez, a amizade teria que estar acima de qualquer outra coisa. Até do sexo!

Tótó acede prontamente. Afinal de contas, amigo é aquele que diz Sim a outro amigo, sem esperar nada em troca, e muitas vezes, sem saber a que responde afirmativamente.
Num instante, aparece por aqueles lados carregado de bronzeador, um emigrante bem sucedido, o Pereira, entretanto regressado ao país, para ocupar uma cadeira alta, bem mais alta do que ele, bem diferente daquela onde meses antes escrevia as suas longas teses que os teóricos portugueses "do faz de conta que funciona", tanto elogiaram...

Pêpê e Tótó fogem da praia, colocam os óculos escuros, e fingem não conhecer Pereira... na verdade, nunca o conheceram bem. A presença dele foi imposta pela Voz. A Voz é quem manda. Não se questiona a Voz!

Resguardados, trocam entre si mais pormenores sobre o grande plano. Assente em papel higiénico, e como se a mesma pessoa se tratasse, fazem um pacto seguro que lhes permite dar os passos certos para um futuro repartido, descansado, mergulhado na volúpia que a riqueza construída em cima do afecto proporciona... Em letras tremidas pela emoção, notamos as palavras da mão direita "IRREDUTÍVEL mas depois, por ti, volto atrás" e também da mão esquerda "tiras a uns e eu tiro aos outros depois!".

Pedem lume ao Alberto que passava por ali de charuto na boca, e queimam o papel higiénico entretanto usado como simbolismo do futuro calculado, no cinzeiro daquela pequena mesa, luxuosamente decorada, uma de muitas naquele pequeno átrio da pensão... (perdão)... da mansão... perdão... da nação!

É chegado o momento. Mas a proposta oficial é demasiado forte.
Tótó não tem coragem para fazer a parte com que se comprometeu. Seria demasiado e arriscado, e no fundo apenas para homens de muita coragem, propor ele próprio um aumento tão significativo do sacrifício dos seus, apenas para ajudar Pêpê... Na verdade, já não sabe se pode confiar em Pêpê. Pensa para si "Estás tão diferente, meu irmão...".

Tótó nunca rasga um acordo. Cumpre parte, mas não todo o acordo.

Pêpê segue o seu caminho, faz o brilharete de tirar aos que nele acreditaram e depois, volta atrás, tirando um bocadinho menos. Não dá qualquer importância ao esforço de Tótó. Este, fica chateado, tenta a todo o custo chamar à atenção de Pêpê, e está mesmo disposto a dizer-lhe "sim" em frente a toda a gente... não consegue e é arrastado pela multidão...

Acaba o dia, Pêpê joga Farmville com o Silva no facebook.
Tótó chora sem parar! Sabe que não está à altura... nem mesmo de levar até ao fim, a farsa treinada durante largos anos, que foi a postura do afecto, do amor e da controlada tesura!




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