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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Aconteceu um dia.


Estava estranha aquela manhã. Começava um dos poucos dias em que podia garantir onde estaria ao final da tarde. O tempo não passava e ao mesmo tempo voava... sensação estranha!
Tenho muitas vezes a ideia de que dou uma importância excessiva a pequenos pormenores que, na verdade, não fazem diferença. Mas este dia não. Este dia tinha a certeza que seria daqueles que me iriam marcar para sempre... e quando digo para sempre, digo mesmo para sempre. Vá para onde for a minha vida, este dia já ninguém me roubará... muito menos a minha memória que não se lembra já de tantos outros dias da minha vida.

Estava ansioso e fiquei sem almoçar... passou a hora como tantas vezes. De repente, às duas horas da tarde, percebi que não podia fazer como nos outros dias. Sabia que a fraqueza se iria apoderar das minhas pernas e tenho a certeza que cairia para o lado. 
Corro para casa e vou rindo porque nos momentos mais marcantes da minha vida guardei tudo para o fim... talvez por isso tenha sido, mais uma vez assim.

Descasco batatas, corto-as aos cubos e retiro aqueles rissóis (ao tempo) congelados no fundo do congelador. Enquanto frita agarro-me ao estendal que esvoaça lá fora (nitidamente cansado de dois dias a esvoaçar) e escolho umas das roupas que eu tenho... Ligo o ferro e passo rapidamente as calças e o pólo... deixo ficar e volto para as batatas e para os rissóis.
Homem solitário que se preze anda pela casa como anda... nu entre o estendal e o fogão... no quarto só mesmo para dormir.

Sento-me e como. O meu coração está aos saltos... raios parta o coração que nem me deixa comer descansado. Lavo a louça. Gosto de lavar a minha louça. Deixa as minhas unhas mais brancas... fumo o meu cigarro que, por contra balanço, deixa os dedos mais amarelos.
16:40 marca o relógio. Quando me vou vestir percebo que, quando passadas apenas do avesso, as calças ficam com os vincos ao contrário. Que chatice!

Navego pela estrada que leva à casa do Senhor... perco-me de propósito. Afinal de contas, estava a sentir-me tão pequenino que achei que o caminho não podia ser tão curto. Espero e espero mais um pouco... e mais um pouco...
A ansiedade é um sentimento muito curioso. Faz-nos andar de um lado para o outro. Não nos deixa ficar parados. Olho para os vincos de novo e ando, olho para o reflexo e continuo, fecho os olhos e abro constantemente por estar mudo, sem ninguém para dizer o que estou a sentir. Aquele andar em volta ajuda-me a relaxar e a manter-me discreto... seja lá o que penso que é ser discreto!

Finalmente!
Os momentos depois da ansiedade da espera são sempre tão curtos que parece que apanhamos boleia num avião sem que ele tenha sequer parado para nos apanhar. Parece mesmo um avião porque olhamos para fora evitando os olhares e o mundo parece agitado, corrido lá fora... Lá dentro encontro a Luz, uma Flor e a Senhora. Não sei se estranham o embaraço na minha presença... curiosamente, eu não estranho a minha própria presença, apenas embaraço...

O portão que se abre por baixo da casa das rendas enquanto os meus olhos vêem o que já tinha visto um dia, faz um chiar levezinho que me intimida. Parece-me uma daquelas viagens assustadoras ao desconhecido da minha adolescência, mas com a diferença, que nessa altura, os barulhos não existiam durante o dia...
Reconheço esta passagem. Entro e os meus olhos buscam todos os detalhes que eu julgo poder memorizar, reter... chamo a este exercício frequente (ultimamente) "o fotografar da alma". Ando por lá tentando adivinhar o acrescentar dos dias passados, aqueles onde as figuras da minha imaginação vivem e se comportam como pessoas normais... que sei que não são. Não são nem nunca serão pessoas normais... como podem ser normais se tudo indica que são especiais?!
Ando espantado é certo... mas não deslumbrado! Espantado. Como um espantalho que abana com o vento, enquanto aproveita para decorar o perto e o longe, o nítido e o menos iluminado... mas na mesma agarrado enquanto pisa eternamente, com apenas um pé, aquele chão. O mesmo chão de sempre.
Gosto disto de me sentir deslumbrado. Faz-me sentir criança no tempo do impossível que afinal, quando alcançável, produzia aquela cara de espanto... Sinto-me deslumbrado pelas linhas cruzadas das minhas mãos que nunca me disseram mais do que aquilo que eu já vivi até hoje, sem me avisar dos espantos de amanhã...
É tão linda a senhora à minha direita... e continua tão bonita à minha esquerda quando me dá o prazer da confidência, que ora é de alegria, ora de tristeza, pois o seu mundo, aquele que sonhou para si tenho agora a certeza, trouxe também tanta indelicadeza...

São sorrisos felizes aqueles que eu faço. É um tocar de orgulho o substituto do meu abraço, é sorriso catita aquele quando o choro ela evita, e é tão grande o meu orgulho, que da minha vida retira por momentos qualquer infortúnio, por ser nesse momento merecedor, de um pequeno desabafo... e tudo naquele espaço, que é tão reservado: a sua vida!
Mas que tempo rápido este que voa...

Não noto o observar, pois eu próprio estou concentrado nas paredes dos meus sonhos... não noto o acreditar ou o gostar ou desgostar... mas sinto-me bem, sem me questionar o quanto bem, sequer! 
Sou um afortunado, um privilegiado, um menino feliz por existir, por ter oportunidade de sentir a vaidade muda, aquela que não se conta, não se mostra, por estar aqui, numa inimaginada permuta..

Não tardou e o tempo do regresso me obrigou a regressar onde agora estou...
Antes, a despedida que eu já não queria e ficaria ali mais um ou outro dia...ou ainda outro... pois eu queria... mas que paz e alegria que senti naquele dia.

Em todo o lado, dizem, existe a mãe de um senhor... a mãe de alguém que foi ou será um senhor... mas nunca nenhuma mãe me tinha dito "obrigado por ser amigo do meu filho", sem nunca o ter, verdadeiramente, conhecido!

E isto eu juro a mim próprio, aconteceu um dia.

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