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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Escrevo aqui o que não digo, quem diria?


Se eu tivesse amigos... daqueles amigos com que as minhas manhãs ficaram, não saberia em rigor o que lhes dizer de mim...
Talvez eles não tenham ficado exactamente por isso... talvez eu tenha fugido deles, por não saber, ou quem sabe, por saber sempre, o que lhes dizer...

Os meus dias sempre foram pautados por duas partes de mim muito distintas... não sei se isso me fez crescer mais depressa, ou se pelo contrário, se me fez crescer devagar.
Quanto crescemos nós, com metade do tempo?

A alegria contagiante com que vivia a luz dos dias, contrastava com a tristeza grande que eram as noites e o regresso ao leito das memórias, que de bom têm apenas isso, as memórias das memórias. Tudo o resto é um misto de saudade quando se aperta a almofada do sonho, e se tinge os lençóis com a tinta incolor de uns olhos fechados à força, pois a luz já não vêem faz tempo... pouco ou muito tempo, não interessa... e depois aquela impotência de nada poder fazer para que o dia nasça de novo... morder os lábios ao saber, que aquele dia não mais volta, e que o próximo, dali a horas, será uma cópia rasca desenhada por uma caneta gasta, que numa mão mecânica balouça...

Inegavelmente, tudo isto fez de mim uma pessoa para a antecipação! Recordo-me dos meus amigos, e daquela alegria expontânea que os fazia acreditar num mundo livre da tristeza... eles agiam exactamente dessa forma. Como podemos respeitar a tristeza, se verdadeiramente, apenas lhe conhecemos a história, nas histórias dos outros?

Fui capaz de ajudar a minorar as perdas que a todos matam um pouco. Fui capaz de influenciar as vidas para que a tristeza fosse minorada, porque era por mim prevista, avisada... assim achava!

Hoje sei que não o fazia por eles, não o fazia pelos pais deles, não o fazia pelo futuro deles... hoje sei que o que fazia, fazia apenas por mim! Que mau que seria o meu reflexo, ao ver o deles, se além de desconhecer a tristeza, ignorasse que a tristeza existe... 

Dei muitas vezes comigo a agradecer, não sei bem a quem, ter-me sido retirada logo quase à nascença, a possibilidade de, sem sequer saber, ser assim triste, mas de dedo em riste... 

A cada despontar da vida tudo passava! Sabia que nada mudara, mas só o reencontro com a inocência deles à luz do dia, levava-me de novo para a partida, sem nunca ter perdido a corrida... assim pensava!

Nas noites de verão em que sozinho estava, e os amores idos chorava, às vezes, pegava na minha viola e junto à estrada ficava... pequenos acordes expandidos pela grandeza do espaço aberto e silencioso da noite... nem sei bem por que o fazia... afinal de contas, o que é que eu queria?
Alguém um dia me perguntou... que fazes aqui? Não sabes tocar de dia?
Não percebia...

Existem coisas que fazemos, que só perceberemos um dia...

Hoje, que olho de longe, eu sei o que fazia... sei o queria, sei o que dizia... mas ela não me respondia, e a minha tentativa ficava assim perdida... dispersa no arrastar de uma noite, de outra noite, e outra noite, comprida e cumprida!

Hoje não saberia o que dizer aos meus amigos. Talvez que vivam a vida, sempre com alegria... pois a tristeza não vivida, se não for pressentida, apenas acrescenta à vida, tempo de vida!

Será isto crescer?

O discurso que aqui trago não existe em lado nenhum de mim, para a maioria...

Escrevo aqui o que não digo, quem diria?

Mas não me esqueço... os candeeiros, esses, também existem durante o dia!

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