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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Molha-tolos


Passavam pouco minutos das quatro da tarde, a temperatura era amena o suficiente para tirar o casaco. Um café era mesmo o que precisava para abafar todos os ruídos na minha cabeça. Depois das leituras habituais e dos toques e retoques em conversas virtuais, olho em volta e observo o borbulhar das conversas. Passo os olhos mesa por mesa num piscar de olhos sonolento... uma mesa lá ao fundo tem oito pessoas de idades claramente diferentes, falam felizes sobre um qualquer acontecimento que envolve os miúdos que correm de um lado para o outro desde que entrei. Não sei onde vão buscar a energia. Estão naquele vai e vem frenético há mais de meia hora e não parecem estar minimamente cansados... pelo contrário, quanto mais vermelhudos e ofegantes, mais vivos e felizes parecem. Na mesa do lado um solitário de meia idade que mexe no telemóvel com ar sorridente, ao qual se seguem vários estudantes de fones nos ouvidos e olhos fixos nos ecrãs dos computadores. Do outro lado um casal jovem... respiram romantismo em cada tocar de mãos, em cada sorriso, em cada silaba que ordenam.
Como habitual, levanto-me e dirijo-me lá fora para me voltar a sentar. É uma pequena esplanada de 3 mesas sem guarda-sol, como muitas que vejo nestes dias de Novembro. Numa delas estão dois senhores com jornais abertos, uma folha de papel com umas grelhas, e curiosamente lançam uns dados para cima da mesa enquanto trocam acusações mais ou menos brincalhonas sobre o engano da sorte. Na outra está uma senhora de meia idade de olhar ausente. Parece-me estar a fazer um qualquer exercício mental complicado, dada a expressão um tanto séria, um tanto hesitante e outro tanto expectante... como um sonho de olhos abertos. Eu estou a observa-los disfarçadamente e no fundo, a ver-me através deles. Somos tão iguais, no entanto naquele espaço, parecemos tão diferentes. Idades diferentes, vidas diferentes, preocupações diferentes. Em comum os pesados casacos, a postura encolhida, a cabeça afundada entre os ombros, o cigarro que fumega entre os dedos apertados e a chuva "molha-tolos", que cai um pouco em toda a volta.

Faço a pergunta sem abrir a boca: "O que fazemos aqui?"

A resposta surge mal os meus olhos trespassam para o interior da vidraça:
"Respeitamos as famílias, respeitamos os sorrisos, respeitamos as gargalhadas dos felizes e unidos, respeitamos os pulmões do futuro daquelas crianças que correm lá dentro, faz já uma hora, felizes pela felicidade de se sentirem o nosso centro... mesmo quando estamos cá fora!

Fomos obrigados a respeitar. Mas agora não temos dúvidas, há decisões que nos marcaram e mudaram decisivamente no passado, e que agora no presente percebemos, nos darão um melhor futuro! Mesmo que à nossa volta, aparentemente, exista apenas o frio, o fumo e uma chuva "molha-tolos"!

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