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sexta-feira, 22 de julho de 2011

Algo o assustou...


Falo-me do André.
O André era bonito. Sorridente. Afável. Feliz sem saber porquê.

Das poucas pessoas que conheci bem, o André faz parte daquele grupo que vive inteiramente para os outros. E fá-lo de tal forma, que os outros que são poucos, a maior parte das vezes são tantos que não consegue dar conta do recado. Desdobra-se no tempo para ajudar todos, para que ninguém fique, em nenhum momento, “bloqueado”. 

O André não consegue, mas não se importa. “Depois compenso...” diz ele. O André acha que é possivel não deixar ninguém para trás, ou ficar atrás seja de quem for.

E acredita. Continua a acreditar. Acreditou. Esmoreceu. Duvidou. Castigou. Desistiu...

O André envelheceu. E com ele, todo o seu mundo perdeu a mocidade, a vontade... a liberdade que a Vida só nos pode fazer sentir, quando em nós encontramos a Felicidade.

O André conduz lentamente.
Naquele escuro de asfalto brilhante temporário, conforme as luzes falsas elevam as sombras, para as deixar cair após a passagem, deambula pelos longos minutos da história... quantos capítulos ficaram por ler, por escrever...


Nos olhos de André cai um tempestade. Liga o ‘limpa vidros’ mas não parece estar a funcionar. Todo o horizonte negro parece um mar alto, perigoso e definitivo.

 Respira fundo e mantém a atenção, na verdade receia que a pena suspensa pelas travessuras do passado, possa ser interrompida por um qualquer erro de cálculo, por uma qualquer distracção... E a tempestade não pára... na curva apertada que antecede a ponte pisa a berma, abranda ainda mais a marcha... desliga!



Corre pela beira... para trás ficam intermitentes as gotas de tempestade, consegue sentir o cheiro da bonança, e à medida que avança, cada vez mais no peito a confiança, de estar perto da esperança de encontrar a liberdade...

Sentou-se. Olhou o rio que se move, que alarga as margens, que banha lentamente as fragas... afunila ao fundo e encolhe, vira e desaparece.
As luzes das casas estão ora apagadas ora acesas e brilham... meu Deus como brilham as luzes das casas... o Silêncio! Não é bem silêncio... ouve o vento e lá no fundo nota-se o movimento, não sei se de pequenas ondas que batem nos calcanhares dos pilares ou, sei lá, algum pato ou pomba ou rato ou sombra, que salta na água...

Mas que grande fotografia. Que grande fim... para este dia. Procura a máquina, mas não encontra. Estará algures parada na faixa. 

Enche o peito de ar. A esperança entra forte pelas narinas. Fecha os olhos e acredita que é aquele dia, o dia certo para sentir a vida.
Despede-se do rio, despede-se do brilho, despede-se do calor sufocante por fora e imagina o frio...

Algo o assusta! Procura o carro mas ele está lá atrás, intermitente. Lembra que talvez ande ali gente, talvez vestido de agente... assustado em qualquer coisa pensa, abandona a varanda, corre e corre mas parece que no caminho não avança, chega finalmente e entra, coloca a chave e arranca, chega a casa e descansa...

Algo o assustou... e ele nem pensou: fugiu!

Entendo o André. Eu entendo!
O André continua de ‘pena suspensa’...

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