Páginas

segunda-feira, 11 de abril de 2011

não é hábito...nem é propositado...


Já não os via há pelo dois anos. O João e a Alice. Com eles chegaram também as duas filhas. A mais velha de 15 anos, ainda mais distante e vaidosa, e a mais pequenina que entretanto cresceu e imagine-se, já ganha medalhas em campeonatos de atletismo.

Rapidamente percebi que as noticias que chegavam entre conversas não eram mentira. A Alice está mesmo doente. Está diferente. No entanto, chegou na mesma sorridente.

Uma das coisas que sempre me chamou à atenção neste casal era o sorriso fácil. Como se o mundo fosse uma alegria constante, independentemente dos assuntos falados serem mais ou menos vulgares, mundanos, despropositados até.

Observei-os muito bem. Ela, que sempre teve uma aparência e atitude juvenil, de riso fácil, acriançado até, tem agora uma expressão mais crescida. Não digo mais velha, apenas mais forte, mais crescida, mais séria. O João, que não deixa que um minuto disponível seja desperdiçado para mostrar a tecnologia, desta vez também me pareceu diferente. As conversas vagas, de exibicionismo do consumismo em nada moderado, foram substituídas por um orgulho contagiante, da mostra no aparelho, agora já não último grito, das fotografias dos pódios, que a mesma pequena tem conquistado nestes anos.

Pensei cá para para mim como podem sorrir assim...

Comentei que a força existe nela, existe nele... talvez nas meninas ela não exista, porque talvez ainda não seja precisa!

Longe vão os tempos em que os dias iam de vento em pompa... lembro-me de ter pensado tantas vezes que a vida não era assim... porque nunca é assim como eles diziam... e que o futuro prega-nos rasteiras tão grandes, que nem tempo temos de sentir o trambolhão, apenas as dores depois... maldita esta minha cabeça que pensa estas coisas, e que depois mais tarde, me lembra do pensado, e me tortura por isso...

A Alice parece-me bem, parece-me forte... pensei! 
Pensamento logo desmentido pelos pormenores... afinal, aquilo está em todo o lado, por todo o corpo... apesar de aparentemente bem, as probabilidades à partida, são pequenas... pequenas demais para aquelas pequenas... que ainda não perceberam o quanto perto podem estar, de uma marca negra, de uma marca a fogo na alma...

Na despedida não resisti a um abraço... não era hábito, nem era propositado... foi um abraço! De força, de esperança, de despedida?

Foi um abraço! Improvável... Notado talvez... nem sei! Acariciei-lhe a careca... e ela fica bonita careca...

Olho para elas. Lembram-me eu mesmo... algures num momento em que tudo nos parece normal, pouco perigoso, pouco definitivo...

Pergunto-me se sei o que podem sentir... se farão ideia do que vão sentir, se estarão preparadas para sentir...

No meu sozinho chorar, lamento! Ninguém merece isto, ninguém está preparado para isto, ninguém devia nascer para isto!

No meu abraço ficou um desejo: a vontade imensa de não existir nunca mais razão para lhe dar um abraço, pois não é hábito, nem é propositado...

Força Alice!

1 comentário:

vento... disse...

Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios

Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador

Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos

Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz

Charles Chaplin